8 de março de 2010

Mulher da vida


Mulher da Vida, minha Irmã. 
De todos os tempos.
 
De todos os povos.
 
De todas as latitudes.
 
Ela vem do fundo imemorial das idades e
 
carrega a carga pesada dos mais
 
torpes sinônimos,
 
apelidos e apodos:
 
Mulher da zona,
 
Mulher da rua,
 
Mulher perdida,
 
Mulher à-toa.
 
Mulher da Vida, minha irmã.
 
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
 
Desprotegidas e exploradas.
 
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
 
Necessárias fisiologicamente.
 
Indestrutíveis.
 
Sobreviventes.
 
Possuídas e infamadas sempre por
 
aqueles que um dia as lançaram na vida.
 
Marcadas. Contaminadas,
 
Escorchadas. Discriminadas.
 
Nenhum direito lhes assiste.
 
Nenhum estatuto ou norma as protege.
 
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
 
pisadas, maltratadas e renascidas.
 
Flor sombria, sementeira espinhal
 
gerada nos viveiros da miséria, da
 
pobreza e do abandono,
 
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
 
Um dia, numa cidade longínqua, essa
 
mulher corria perseguida pelos homens que
 
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
 
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
 
ela encontrou-se com a Justiça.
 
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
 
lançou o repto milenar:
 
“Aquele que estiver sem pecado
 
atire a primeira pedra”.
 
As pedras caíram
 
e os cobradores deram s costas.
 
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
 
“Ninguém te condenou, mulher...
 
nem eu te condeno”.
 
A Justiça pesou a falta pelo peso
 
do sacrifício e este excedeu àquela.
 
Vilipendiada, esmagada.
 
Possuída e enxovalhada,
 
ela é a muralha que há milênios detém
 
as urgências brutais do homem para que
 
na sociedade possam coexistir a inocência,
 
a castidade e a virtude.
 
Na fragilidade de sua carne maculada
 
esbarra a exigência impiedosa do macho.
 
Sem cobertura de leis
 
e sem proteção legal,
 
ela atravessa a vida ultrajada
 
e imprescindível, pisoteada, explorada,
 
nem a sociedade a dispensa
 
nem lhe reconhece direitos
 
nem lhe dá proteção.
 
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
 
que um homem a tome pela mão,
 
a levante, e diga: minha companheira.
 
Mulher da Vida, minha irmã.
 
No fim dos tempos.
 
No dia da Grande Justiça
 
do Grande Juiz.
 
Serás remida e lavada
 
de toda condenação.
 
E o juiz da Grande Justiça
 
a vestirá de branco em
 
novo batismo de purificação.
 
Limpará as máculas de sua vida
 
humilhada e sacrificada
 
para que a Família Humana
 
possa subsistir sempre,
 
estrutura sólida e indestrurível
 
da sociedade,
 
de todos os povos,
 
de todos os tempos.
 
Mulher da Vida, minha irmã.
 
Declarou-lhe Jesus:
 
“Em verdade vos digo
 
que publicanos e meretrizes
 
vos precedem no Reino de Deus”.
 



(Cora Coralina)

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